Aluga-se este ponto — Parte I
Após ter a minha rotina e psicológico virados do avesso, por dois meses de ensaio para uma mostra de teatro, hoje eu acordei cedo e fui caminhar.
Que toda a sanidade seja sobre sentir o vento e o sol na pele (O Caminho da Artista)
Ao caminhar, tive a sensação de estar retornando a mim mesma.
Contraditoriamente, pude reparar no meu entorno, e não apenas no emaranhado emocional em que me meti durante a rotina de ensaios.
Ao notar o que acontecia em minha volta, percebi:
Som e cores das bandeirolas no céu, enfeitando a rua. Música de São João saindo da loja de cimento. Mulher espirrando sem máscara. Menina com torcicolo por manter o cabelo longo e de lado. Muitos adolescentes vestindo xadrez. O sorriso da funcionária de limpeza urbana ao responder o meu bom dia. Palha de milho no chão e balde de amendoim na banca. Papagaio roendo resto de espiga na gaiola. Meu vizinho que fica charmoso e simpático ao contar uma história. Buzina de carro incomodando meu ouvido direito. Mulher carregando um tecido felpudo vermelho no ombro esquerdo. Uma mãe de sobrancelhas grossas olhando firme para frente, como quem encara o futuro, enquanto segura a mão do filho de 2 anos. O cheiro do lixo. O cachorro urinando. As folhas e fezes no asfalto. A cintura de uma mulher sexagenária. Evidências tocando na radio comunitária. Loja anunciando empréstimo de dinheiro parcelado 14 vezes no cartão de crédito. Vendedora de rua ensacando uma penca de banana. Um biscoito maisena retirado de um ponte rosa, e engolido por uma boca andante que vestia o uniforme do trabalho. Homem gritando “vai, seu fofoqueiro!”. A placa de papelão escrita “aluga-se este ponto” na porta de um estabelecimento, acompanhada do número de WhatsApp, esperando por alguém fazer contato.
Continua aqui.