é tudo uma tentativa de não-ser o que se é.

Gabi Blenda
2 min readOct 26, 2019

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tudo começou há 10 anos, na adolescência, quando eu ficava na varanda de casa, olhando a cidade à noite iluminada pelas luzes artificiais. eu torcia para que aqueles aviões que passavam por cima me levassem embora daqui.

ou talvez tudo tenha começado na infância, quando eu desejava transformar a escola em minha casa, e usava os jornais do mercado para escolher o que eu compraria quando fosse adulta e independente.

eu me tornei adulta, mas continuo totalmente na dependência de meus pais, vinculada emocionalmente a eles e a esse lugar que sempre quis fugir.

tudo o que fiz, tudo o que faço, são tentativas de ir embora. comprar uma bolsa cara, um chocolate que vale mais pela marca na embalagem do que pelo conteúdo dentro, gastar uma grana profana (tudo o que ganho) em experiências que me fazem esquecer momentaneamente de onde eu vim, do bairro onde moro, da rua esquecida por deus e pela prefeitura.

quando o prefeito da cidade veio aqui, ele mandou tirar a lata que abriga toneladas de lixo, não fica bem diante às câmeras discursar em um lugar imundo desse. os moradores — incluindo eu — questionaram se finalmente o prefeito tinha notado o problema do bairro, mas bastou o comício chegar ao fim para o contender de dejetos voltar ao lugar de origem.

talvez, uma parte muito estranha de mim considere este o meu lugar. no lixo. embora eu esteja, o tempo todo , tentando provar que o meu valor é bem maior do que a minha residência, origem, aparência, conta bancária, gênero. a vida toda é isso: um grande teste do ensino médio?

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Gabi Blenda
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