Volta
Preparando o terreno.
Preciso falar de amor
cuidar de mim
atender ao chamado disso que está aqui dentro
da natureza selvagem que precisa rugir,
grunhir
para continuar viva
para não sufocar com as resistências
para não se entregar às desistências
para fazer de mim quem eu sou
por lutar há tanto tempo
que esqueceu de refrescar as patas na beira do lago
a cochilar sob a brisa revigorante
a fechar os olhos confiante
e se entregar ao fenômeno incrivelmente absurdo de estar viva.
Viva, contra todas as possibilidades.
Viva, contra todas as chances.
Como o gato que se lambe, dedicado ao banho,
entro no rio para purificar mais que o corpo
a alma vacilante, cambaleante.
Tento voltar para casa,
seja lá onde esteja.
Tenho a impressão que o endereço vive de mudança, será que está fugindo de mim?
E do que eu tanto fujo ?
Se é mais fácil estar entregue.
Aceitando essa morada num território girante.
Dentro de mim carrego um circo, uma floresta, um mundo inexplorado.
Piso em chão de terra molhada e batida.
Convoco espíritos de sábias e anciãs
a me mostrarem o caminho
aquilo que preciso saber,
minha origem.
Construo a fogueira
com a lenha que colhi na estrada.
Acendo o fogo para esquentar a alma
e danço
ao redor do perigo
a chama está sob controle
é o chamado que me devora.
Piso em terra de chão batido
porque preciso voltar pra casa,
correr do mundo que me deixa insana.
Aqui na mata eu sou normal.
Meu ciclos se integram à paisagem,
em comunhão com as mudanças da natureza.
Durmo em rede, com mosquitos e animais ferozes, mas nenhum bicho me assusta, porque conheço os homens.
Nenhum perigo é maior que a espécie humana.
Tento recuperar meu paraíso perdido,
voltar para o lugar de onde nunca deveria ter saído.
O plano de fuga agora é um retorno,
à casa de onde não deveria ter escapado.
Eu não sabia dos perigos da estrada.
Volto com cicatrizes no corpo e amor na alma.
Jogo a mochila longe, não quero mais sair daqui.