Uma planta com lista de tarefas
Os dias estão todos cheios, a agenda lotada. Me ocupo pra não pensar naquilo — e sabemos que “aquilo” significa corona em vez de sexo. Tristes dias. Os ciclos da vida e morte bagunçados. Assim nada funciona. Sei disso porque fico longe demais da escrita. Nesses dias sou uma planta murcha. Sem água, sol, adubo, verme passeando. Eu costumava brincar com as minhocas que meu pai encontrava nas plantas, e também nos milhos, que eu debulhava com meu primo. Em 2020 não vai ter canjica. Nem o abraço de meu avô, o encontro em família. A vida acontece, apesar dos planos. A vida acontece enquanto vejo minha incompetência em cumprir a lista de tarefas. Durmo meio chateada, meio com esperança de que amanhã será melhor, vou levantar cedo e não sofrer com a pandemia. Cultivo ideias insensatas com a mesma delicadeza de minha vó ao tocar plantas. Hoje eu queria ser uma dessas folhas, na época maiores que eu, pra receber carinho e atenção. Cresço e continuo sem saber o que é a vida, como cuido desse troço que me deram sem eu pedir. Tento inutilmente dar conta. A poeira sempre volta, apesar da faxina. Chega um momento que não dá mais pra dividir a casa com as aranhas, mas às vezes os ácaros vencem, a chuva infiltra a parede, os fungos se apropriam do quarto. Vou suportando o mofo, as notícias, a distância do amor. Enquanto isso, (in)completo mais um item na lista de tarefas.