Prisma

você
é como esses instrumentos percussivos
que a gente mexe e parece conter
o mar inteiro dentro
eu deitava a cabeça no peito de meu avô
para ouvir sua queixa
que vivia com o coração doendo
e eu dizia que é assim mesmo, vai passar
eu consinto com a tua falta em minha Vida
é como trauma de infância
uma dor que não deixa de existir
a gente aprende a rir e chorar por outras coisas
mas este buraquinho
esta brotoeja
esta verruga
estará para sempre ali

você é dessas pessoas
que deixam a Vida te rasgar o peito
que sabe que vai ficar inteiro
mesmo com suas outras partes andando soltas por aí
mundão afora
é tão bonita a forma como você deixa a Vida te atravessar
paralisar
prender o fôlego
por alguns segundos
como quem assiste à algo muito impressionante
um fenômeno da natureza acontecendo
e depois passa
tão rápido
tão fulminante
quanto um raio
ou um infarto
e muda radicalmente a sua estrada
o norte vira sul
o dia vira noite
um eclipse polar

eu, potência vulcânica
anos adormecida aguardando
o despertar da lava
derretida
morna
como quem coloca
um neném no colo para ninar

nem todo mundo permite ser um prisma
por onde entra a luz solar
e eclode em arco-íris

deixar a Vida nos atravessar
é o único verdadeiro dom
o resto é tudo técnica, prática e improviso

a porção de vida que habita em mim
sauda
a porção de vida que habita em você