Parar não entrar em crise.

Gabi Blenda
2 min readOct 10, 2019

--

Porque já estou numa.

Trepa. Fuma. Come. Bebe. Aumenta o som, acorda o prédio, a vizinha maluca do andar de cima não se importa. Comi. Gozei. Tentei dormir. Passei pomada na dor estranha. Agora ouço a música de uma banda que nem gosto. Cada crise é particular. E íntima demais para vir a público. Mas aqui estou eu. Estive um longo tempo afastada. Não pretendo fingir que isto é algo além de ruim. A banda estranha têm canções dançantes. Eu deveria mesmo acordar a vizinhança. Igual aquela música clichê demais para ser mencionada. O que você faz com sua dor?

Eu inventava histórias quando criança, querendo atenção pra mim. Inventava primos sonâmbulos, avós tetraplégicas, namorados fictícios. Esses ainda perduram. Ficaram ofendidos e me assombram por aí. Tenho pena deles, obrigados a me perseguir. Fantasma deve ser uma profissão ruim.

Eu sinto falta de pedaços inteiros de mim. Vendi, perdi, abandonei. Deveria ter mantido os destroços no armário. Deveria ter mantido o guarda-roupa. Mas foi pro lixo. Com roupa e tudo; carta confessionário. Para não entrar em crise, você surta, mas faça logo, agora, não deixe o surto pra depois. Para não agravar a crise, mexa no que está ferido, antes de apodrecer. No cancro, é aí onde a crise se encontra. Nada fede mais do que uma emoção podre, um sentimento que ultrapassou a data de validade. Dá pra sentir o cheiro a quilômetros. Estou dizendo a você. Não ignore as ligações. Marque um encontro e corra pro abraço. Antes que seja tarde. Antes de acordar os vizinhos numa noite de surto.

--

--

Gabi Blenda
Gabi Blenda

No responses yet