para não dizer que nunca mais estive aqui
escrevo para estourar miolos
escrevo para entregar o corpo
escrevo para enganar a morte
escrevo para alongar a Vida
escrevo para afogar o gozo
escrevo para aliviar a dor
escrevo para ser cafona
escrevo para ser lembrada
escrevo porque serei esquecida
escrevo porque dói a garganta
escrevo porque chora a alma
escrevo porque gargalha a pélvis
escrevo porque a realidade confessa crimes em meus ouvidos
escrevo porque sou testemunha do acaso
escrevo porque enxergo entidades
escrevo porque me escorre olhares
escrevo porque me escorre ouvidos
escrevo porque escorro
urina fezes esguicho baba de moça
escrevo porque ando muito calada
escrevo porque é minha forma de grito
escrevo porque é ano novo
escrevo porque parto
escrevo porque bercário e cemitério se igualam
escrevo porque brindo à Vida
escrevo porque ponta de agulha e linha
escrevo porque bala em revólver e doceria
escrevo porque enxergo tudo
tanto
fome e fartura
e sinto mais do que suporta minha pele flácida
ando rogando pragas
usando a razão
ando desconhecida
ando alheia ao mundo do ventre e de minh’alma
ando atenta às esquinas
à mapas de metrôs
às histórias mal contadas e contidas
ando tão contida
tão serena
tão silenciosa onça contrita nas matas
esperando
caçador à deriva
ando preguiçosa
ando acomodada
ando decorando a zona de desconforto
o que chorei em chãos
de rua mercado hospital pensionato
o que gozei em camas
o que sentiu a raíz do pelo deste braço
o que escrevo
por que escrevo
é sempre
uma bendita
maldita
resposta
perdida
ando engolindo fogo
mais do que profissionais cuspidores
ando vingativa
de uma realidade que não deixa opção à fruta
além de des-en-ver-de-cer
porque madura está a um passo da decomposição
escrevo porque preciso inventar formas de sinalizar
tudo o que engoli tempo afora
escrevo porque escrevo
para que me leias
e talvez não me compreendas.