para homens

Gabi Blenda
2 min readApr 24, 2023

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não, eu não consigo te responder objetivamente o que eu quero comer porque sei que a gente não pode pagar muita coisa. então importa menos o que eu quero, neste caso, e mais o que a gente tem condições de pagar. e aí minha cabeça fica fazendo uma operação matemática emocional daquilo que é possível, daquilo que dá pra levar. e enquanto fico calada pensando, você se impacientiza comigo. e quando eu digo, pra simplificar as coisas, tanto faz, você me responde chateado tanto faz é foda. então, não. eu não consigo te dar uma resposta simples, objetiva e no seu tempo. porque o meu cérebro não funciona objetivamente. e isso me dói, gera uma cena e uma poesia tão bonita. mas é uma poesia dura de carregar. é como se eu estivesse o tempo todo com pedras nos ombros. a estrutura de ferro do casamento de meus pais, é a mesma matéria de que foi feita a nossa relação. o buraco não era meu pai. o buraco era asociedade patriarcal. que existe, há mais de 2 mil anos. e o que posso eu e minha poesia diante 2 mil anos de sociedade? uma mulher precisa desmoronar tanta coisa para conseguir existir. e você ficava me dizendo o quanto eu era foda, como elogio. ficava me incentivando a voar. sai daí dessa gaiola. você e suas asas que eu tanto admirava. você nasceu validado, meu amor. e enquanto me dizia: sai desta gaiola e vem comigo voar nem percebia que estava sentado em cima das grades de onde eu tentava escapar. teu privilégio, amor, atrapalha o meu voo. e você nem nota. ou finge não notar. como é confortável estar no centro da roda recebendo atenção. e como é difícil para pessoas como a mim viver o tempo todo sentindo tanto desconforto, sem conseguir falar. não adianta você me dar a palavra como quem empresta o seu microfone. se foram anos de silêncio que me fizeram me calar. se a própria ideia de emprestar, de dar a vez, e deixar o Outro falar implica que o monopólio da fala é sua, que você generosamente emprestaria para outras pessoas, o microfone que é seu. o que te construiu forte e belo foi o que me tornou frágil e grotesca. e você nem percebe que o que te valida me inviabiliza. necessariamente. que a tua força foi alimentada pela minha fraqueza. eu e todas as mulheres que passaram pela tua vida. é uma herança ruim, eu sei. mas tenho aprendido que privilégio é responsabilidade e nada adianta a culpa. o que você faz com o teu poder? já que tua voz é sempre escutada, já que tua presença é sempre notada. o que você faz com a tua chance?

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