o poema mais longo da minha vida
lambe o asfalto
pisa no inferno
para assistir
a delicadeza de quem voa
de quem dissolve na menor quentura de toque
de quem usa hálito morno para esfriar com sopro
o que pesa e excita
dança entre os pratos da balança
riso pinga do glóbulo ocular
gota salga os lábios
passaria horas te ouvindo falar
esqueceria de mim
de minha própria narrativa
e eu não posso arriscar
copiar o passado no futuro
eu tenho medo de me perder na estrada
depois de encontrar o caminho-destino
o mapa que carrego em meu ventre
entranhas
estranhas
vísceras
que me devoram Vida
eu nunca mais poderia…
parece uma equação infinita
errar novamente a mesma alternativa
e continuar a
errar
errar
errar
a alternativa
é uma lição mal sucedida
é uma missão fracassada
tentar vencer este jogo
era apenas diversão
diversão
diversão
consumição
consumação
fim
fim
fim
novamente
repete
a escolha
das alternativas
error 402
eu fui banida
de uma espécie de paraíso
que nem sabia que existia
de um território de inquietação
expulsa
banida
forasteira
um portão sem divisa
fronteira
fronteiriça
subalterna
subordinação
fui expulsa ou me expulsei
outra gente não fala o idioma
língua estrangeira
sem proficiência
que língua é essa
nem mátria
nem pátria
nem fratria
nem erótica
que língua é essa
que ilógica é essa
que discurso é esse
localizado
somatizado
em órgãos
concavidades
pele
pelos
avessos
nulidades
desconhecidas
descobrir os vazios de si mesme
descobrir os silêncios brutais da própria fala
descobrir a visão da cegueira
o som da surdez
que maldita língua eu (não) falo agora
eu discorro agora
que mal dita língua
ouvinte algum
entendedor nenhum
fala agora
eu era a única nativa deste território
terreno
baldio
vazio
amaldiçoado
a única forasteira desse idioma
eu era a única expatriada
a única deserdada
a única expulsa
a única expurgada
eu era a única a maldizer
a bendizer
eu era a única a saber
dos calafrios
dos medos visguentos em minhas entranhas
a única a provar o sabor da fruta
a única a beber no cálice
a única a provar o fruto proibido
a única a lamber os dedos
eu era a única
no território maldito bendito
a única
a única
a única
e nunca mais voltarei a ser a única
nunca temi fantasmas
nunca temi cadáveres
nunca temi mortos vivos
nunca temi zumbis
nunca temi natimortos
nunca temi embriões extirpados
nunca temi mutilados
nunca temi o sangue
nunca temi o desprezo
só temia o amor
só temi a vc.
só temi o temer
só temi o pavor
só temi o odor fétido de afeto
estranhando entranhas
podia suporte o embrutecido
mas nunca a própria delicadeza
poderia suportar o cancro
nunca o cuidado
nunca o afeto
alérgica