Lembrei que quero dar a volta ao mundo, escrevendo uma carta para minha mãe

Gabi Blenda
2 min readJul 31, 2024

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Gin e plantas. Acervo pessoal.

Voltar a morar com os pais é um reencontro com várias necessidades e sentimentos (palavras-chave da Comunicação Não-Violenta que estou me reaproximando).

Numa tarde de tédio, procurei por exercícios para a criatividade e encontrei este writing promp:

Escreva algo que nunca disse para sua mãe.

O resultado é um texto cheio de revolta, tal qual uma adolescência tardia. Mas, me fez perceber que o que cobro da minha mãe — elas que são sempre tão cobradas, diante a ausência afetiva da figura do pai — na verdade são desejos meus.

A quem interessar a leitura:

Caralho, mãe! Caralho, caralho, caralho, puta que pariu! Jura que é essa vida que você quer? Uma vida que tem medo de pegar Uber sozinha? Uma vida com medo? É por isso que você evita o mundo? É por isso que você escolheu a religião? É por isso que você me criou assim? É por isso que você condena mulheres que se masturbam ou fazem sexo casual? Para levar uma vida assim? Compensando o vazio com compulsão alimentar? Caralho, mãe! Te basta receber tudo na mão? Você não tem um senso de aventura? Você não quer ver o mundo com seus próprios olhos? Você não quer sentir o mundo com suas próprias mãos? Eu sei que é assustador. Eu fiz isso durante 1 ano. Eu tive medo da quantidade de pessoas na estação da Luz. Mas eu não tive medo quando me roubaram o celular. Eu sabia o que eu tinha que fazer. Eu sabia que eu tinha que ser forte por mim. Porque eu só tinha eu por mim naquela cidade. Caralho, mãe. Eu desejo viver aventuras. Eu tirei um passaporte, sabe? Eu sonho com isso desde adolescência. Pegar um avião. Ir embora desta casa. Nunca mais voltar. Mas eu voltei, mãe. Eu voltei e vi você no mesmo lugar. Caralho, mãe. Pura que pariu. Eu levantei da cama e vim ver um filme sobre uma criança trans e um outro filme sobre mulheres lésbicas. Para sentir que pertenço a algum lugar. Para sentir que em algum lugar eu sou bem-vinda. Que amor é esse que você fala? Se eu não recebo um abraço de bom dia. Se eu não recebo uma pergunta sobre passar 1 ano fora de casa. Caralho, mãe. Por que parece que você não se move? Que o tempo e a vida passam por você, mas você não passa pelo tempo e pela vida? Caralho, mãe. Ontem fez 12 anos do aniversário de morte de meu avô. Você sente falta dele? Por que nessa casa ninguém conversa sobre sentimentos? O que você tem tanto medo neste mundo, mãe?

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