Hoje eu abracei a parede do banheiro

Me lembrar sorrindo que o banheiro é a igreja de todos os bêbados…

E o refúgio dos proletários
precisamos sair desta, Gabe
eu digo, pensando no meu namorado
a sorte narcísica dele ter o mesmo nome que o meu
o equivalente de dizer a mim mesma:
precisamos sair desta, Gabi
me promete
um pacto de sangue
se eu ficar rica, te levo comigo
se você ficar fico, me leva contigo
tal qual a música do restart
como assim, nem tudo precisa ser mágico?

reivindico que tudo seja mágico.
glitterioso e purpurinado
reivindico que haja música
que haja tesão e umidade
que haja sal e açúcar
que haja sol e salitro
que a única tempestade seja de iansã
porque cansei de naufrágios emocionais

analisei com cautela os azulejos pretos
do banheiro do cnpj que não assina minha carteira
ainda não me deu auxílio transporte
mas coloca a corda no pescoço para entrega da pauta do dia

analisei com cautela o cinza queimado industrial
a máquina de vapor quente para as mãos
a pia de mármore mais caro do que o imóvel onde moro
minha sagradamente profana residência

reivindico que haja liberdade
porque balanço na corda bamba das inconformistas
caio, me ralo todinha, fico roxa por dias
e continua tentando o impossível
porque eu vou morrer, não sei que dia

não sei se à caminho de casa
não sei se na ida ao trabalho
não sei se no meio do transporte público
não sei se sentada no vaso sanitário deste banheiro cujo metro cúbico é mais caro do que toda a rua do meu simplório e sujo bairro popular

reivindico o que não há, não pode, não ouse reivindicar

reivindico respirar sem garganta abafada
sem angústia tatuada nos pulmões
reivindico rebolar em vez de passos retos
reivindico canto em vez de reuniões de pauta
reivindico subir na mesa e dar palco para a minha loucura

porque o que não posso suportar é que minhas veias sejam tão banais quanto um saco plástico sem vida porém mais caro do que a valiosa saliva de meu lábio que foi feito pro beijo não pro silêncio

isto aqui precisa ser uma confusão gritante de palavras

eu só queria levantar deste vaso sanitário no final do expediente
mas em vez disso, encharco as mãos-conchas de água mais limpa do que o filtro e tanque da minha casa

umedeço meu pescoço
rosto
infelizmente daqui não alcanço o clitóris e o gozo
apesar do seu jogo lúdico, meu amor

reivindico uma promessa: que seja possível viver antes da morte.