acho que vou fazer o mínimo pelo capitalismo hoje
pensou, enquanto tirava sujeira da unha com o bocal da caneta bic, cor verde mata fechada. pega o celular para olhar se tinha mensagem da ex. tinha. ela está doente. e o que você está fazendo para cuidar disso, pergunta, em vez de dizer: vai no médico, pega atestado, toma remédio, se alimenta direito. mas agora está tentando por limites. por limites significa parar de cuidar de todo mundo, para se ocupar cuidando de si. comprou uma calça nova pro trabalho e está se sentindo grande dentro dela. grande feito adulta. uma calça do tamanho de uma adulta, por favor, pediu na loja. quem sabe assim se torna uma. adulta. eu poderia trabalhar com algo místico, pensou, quando viu um post no instagram de uma mulher que diz ler mapas, mas não se diz astróloga, porque prefere se dizer artista visual e publica uns rabiscos feios, aos quais chama de arte. queria mostrar os seus rabiscos feios e chamar de arte também. em vez disso, deixou tudo em salvador e veio embora num ônibus, 3 dias, com passagem só de ida. sem caminho de volta. espera que não a demitam por chegar atrasada todos os dias — é insônia, coisa que nunca a acometeu, aliás sempre dormiu demais. tomara que não a demitam por ter enviado o contrato social da empresa para o fornecedor que pediu. tomara que não a demitam porque precisa pagar as parcelas da calça que dividiu em 3 prestações. mesmo número de vezes que ficou dentro de um ônibus para chegar nesta cidade e colocar sua arte no mundo. nem pode mais colocar arte no mundo, porque o trio imbatível aluguel-alimentação-transporte venceu o jogo. domingo falou pra uma amiga na videochamada que agora que vai fazer 30 anos acabou o treino, agora é jogo! ainda está tentando entender as regras.