A sua causa é a minha causa
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O colchão onde durmo é tão confortável quando um soco na costela e no quadril. Graças a ele, tenho uma companhia na execução diária das tarefas: uma dor na coluna que protesta, em forma de agulhada, contra a noite anterior. Um sinal de que não está sendo fácil. Ainda tem um vento frio, que entope o nariz, coça a garganta e me faz pensar que talvez minha mãe esteja certa, eu deveria tomar um suplemento de vitamina C todo ano.
Assim tem sido a banalidade dos meus dias. Fora isso, tudo está funcionando no nível esperado de anormalidade: meu bairro é o maior em número de casos confirmados de coronavírus; mais uma vida negra foi ceifada pela polícia. Sem tempo para chorar os mortos, sem espaço para velar os corpos.
Na falta de uma presença humana, converso com meu gato, digo que está tudo estranho. Ele responde com a sabedoria dos animais irracionais, uma atenção calada e distante. Quanto distanciamento ainda precisamos para nos recuperar disso tudo? Não me venha com informações sobre peste bubônica, gripe espanhola, abolição da escravatura. Não me venha falar dessa história escrita por brancos, por homens, por países do norte, por estados do sul. Estar do lado certo da história é também sobre contá-la de outros pontos de vista. Mulheres, negros, LGBTQI+, crianças, proletários — unidos. Eles querem nos matar; no entanto, somos muitos, somos várias, somos diversos. Diversidade é sinônimo de natureza. Podem cortar as flores do jardim, mas jamais destruirão a primavera, já dizia o poeta.