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Após um mês de confinamento entre paredes e pensamentos, a Moradora do Prédio 1 resolveu visitar a parte da casa que estava mantendo distância: a varanda.

O corpo virado na direção do sol, igual as plantas. Com celular na mão e fone de ouvido, como uma demasiada humana. A Moradora do Prédio 1 aproveitava o quentinho na pele e o vento ainda fresco da última chuva até ser interrompida por um xiusc-xiusx (ou qualquer onomatopeia de preferência da freguesia). Era a Vizinha do Prédio 2 e sua vassoura de piaçava ruidosamente escorrendo a água do piso de cimento. A música estava boa e a Moradora do Prédio 1 não se abalaria. Fecha os olhos, concentra no calor, na brisa, há tanta vida lá fora.

Lá fora dava pra ver mais ou menos duas casas em obra e uma fileira de roupas íntimas penduradas no varal, xiusc-xiusx. Um gato mia na ladeira e um rosto feminino coberto por máscara expulsa o bichano, xiusc-xiusx. O vento levanta minha saia e prende o tecido entre minhas coxas, xiusc-xiusx. A Vizinha do Prédio 2 larga a vassoura, se debruça na laje e puxa as plantas em sua direção, como se brincasse de cabo de guerra com as raízes. Vitória da humana, que arranjou um pedaço de madeira pra forçar o caule. É assim que nossa espécie funciona, afinal de contas. Lutando contra a natureza, que resiste cobrindo toda a fachada do Prédio 2 com suas folhas. Prédio esse que já ganhou fama na rua, virando história pra assustar crianças. Dados apontam que uma infância sem casas mal assombradas tem 50% mais chances de infelicidade.

Aquela varanda, onde a Moradora do Prédio 1 passou a vida elaborando planos de fuga, é hoje a única fonte de contato com o resto da humanidade.

Texto 1 de 15 do Desafio de escrita para a quarentena, lançado por Stefani Del Rio.

1º dia — Escreva uma crônica sobre um acontecimento banal

Então, era pra ser uma crônica. (risos) Talvez eu não saiba escrever crônicas. Desde já agradeço a benevolência do leitor-amigo. Uní-vos (à distância) na carentena, através da literatura. ❤

Não me deixa aqui falando sozinha, que é falta de educação. Se quiser participar: vem pro clube!